MÉDICO
Tem médico de tudo. Médico
de bebê, médico de vovô. Médico de grávida, médico de doido, médico de rim, de
coração, de fígado. Médico de joelho. Médico de homens e médico de almas.
Médico não tem dia. O dia
dele é do outro. Dia do retorno da dona Maria. Dia da cirurgia do bebê do leito
8. Dia do parto da Ana. Dia da diálise do menino do Morro Alto. Dia de alegria, dia do transplante do menino
de Caratinga. Dia que o Seu José foi de alta. Dia da quimioterapia, do escorpionismo,
da parada, da arritmia. Dia do exame do tio,
da amigdalite do sobrinho, dia do óbito do vizinho.
Médico tem muitas
casas. Tem a que ele mora com a família, tem a que ele mora com o coração, que
vai todo dia. Sente falta se não vai. Médico também mora no plantão, no
hospital, na cidadezinha que ele escolheu cuidar. Médico não tem cama. Dorme onde
dá.
“O médico não tem o direito de terminar sua refeição.” O Médico dos
Pobres que disse, e disse bem. A urgência do outro é maior que fome do médico. A
urgência do sangramento, do acesso, da queda, das lágrimas. A urgência de
acalmar a alma.
“Quem é minha minha mãe, quem são meus irmãos?” pergunta o médico.
Porque o filho dele fica em casa com febre, para ele poder sanar outras febres,
febre dos outros filhos. Porque o filho do médico morre também quando o filho do outro morre. O coração vai doendo, o dia vira luto.
O médico vê sua mãe nos olhos daquela Doninha, escuta sua voz nas palavras
dela, deseja muito que essa sua mãe fique boa! Deseja que seu pai não pegue a
doença e trabalha para que todos os pais fiquem livres dela. O médico vai
deixando irmãos pelo mundo. Vai deixando seu coração e levando o coração de
muitos irmãos.
O médico não é dono da
vida dele. Mas escolheu. O caminho só segue, não tem volta. Vai, médico, ser gauche na vida!
Belíssimo texto. Brilhante reflexão em homenagem à essa classe de profissionais que é a dos colegas médicos.
ResponderExcluirAchei muito belas as frases: ''A urgência do outro é maior que fome do médico'' e ''O coração vai doendo, o dia vira luto''. São sensações que há mesmo.
Muito belo. Parabéns pelo texto :-)