terça-feira, 11 de agosto de 2020

DIA DOS PAIS

 22 de junho de 1997

Cruzeiro e Vila Nova disputariam a final do Campeonato Mineiro. Foi a bilheteria recorde do Mineirão. Mais de 132 mil pessoas compareceram ao estádio.

Nesse dia, pela manhã,  eu e minha irmã estávamos animadíssimas. Era só chegar. Mulheres não pagariam o ingresso nesse dia. 

- Querem carona?

Olhamos para o Papai com aquela cara de "Nooossa! Você vai nos levar???" 

Ele mal continha um sorriso irônico. Continuou,  antes mesmo da nossa  admiração  se transformar em  palavras.

- Eu vou ao jogo! Hoje sou Vila Nova desde criancinha! 

Fingindo não perceber nossas bocas abertas,  saiu para o quintal para apanhar verduras que ele iria levar para a mãe dele nesse domingo de manhã. 

Colocou as verduras no seu Fusca e rumou para a casa da mãe.  No caminho comprou uma camisa do Vila Nova de um ambulante. Chegou na casa da mãe,  mas empolgado que estava com a possibilidade de ver o Cruzeiro perder o campeonato para o Vila, esqueceu as verduras no Fusca. Ao se despedir da mãe,  falou que iria no carro pegar as verduras.

-Eu vou lá com você,  Quim! Pra você não ter que subir de novo.

Então ele se lembrou da camisa do Vila que estava no banco. Pensou:

"Se mãe vir essa camisa do Vila ela vai me bater ali na rua mesmo! Ou me xingar muito!"

- Nãaaao,  mãe! O sol tá quente! Não precisa descer!  Eu trago aqui pra você!

E já foi acomodando minha avó no sofá e saindo, sem dar chances para questionamentos. Pegou as verduras no Fusca e colocou a camisa embaixo do banco, por via das dúvidas!

À tarde cumpriu a promessa da carona. O Mineirão fervia como o caldeirão que era!

No meio da confusão,  multidão,  empurra-empurra,  ele disse:

- Agora é com vocês!  A gente encontra em casa! Porque vai ser impossível encontrar de novo!

-Pai, mas onde você  vai?

- Pra torcida do Vila, claro!

Sacou a camisa  vermelha e branca do bolso da bermuda, vestiu e sumiu no meio do povo.

Porque ele era assim. Alegre! Adorava uma zueira! 

Claro que não fui hábil o suficiente para contar o caso dele com a minha avó,  as verduras e a camisa do Vila. Ele contava e arrancava gargalhadas dos seus ouvintes atentos! Roubava a cena em todas as festas!

A camisa do Vila Nova? Não veio na coleção que eu reivindiquei por herança! Deve ter dado para algum Vilanovense amigo dele. Porque ele era assim! Generoso! Não negava ajuda para ninguém.  Nem media esforços para ajudar!

Ele também era Corajoso. Enfrentava a vida com peito aberto, com o mesmo peito aberto que abria a porta de madrugada quando ouvia barulho no quintal! Corria atrás dos pivetes que enfiavam a mão no bolso dele no centro da cidade. Corria e gritava: "Pega ladrão!". E de repente todo o ponto de ônibus estava correndo atrás do coitado do menino,  que acuado,  jogava no chão a carteira roubada! Ele era assim! Não pagava pau para pivete, nem para a vida. Não pagou pau para a morte. 

Alegria! Generosidade!  Coragem!  Foi o legado que ele me deixou.  Sou um pouco assim!  Tenho um pouco dele!

Tenho muito dele!

O dia de hoje vai ser assim! Sem vazio. Sem tristeza! A alegria dele é suficiente para encher o dia e o coração!