O PREÇO DA IDEOLOGIA
Convidei
uma amiga para sair. Inicialmente aceitou. Pensou melhor e recusou com
delicadas desculpas. Se disse desanimada com as questões políticas do país. Entendi
bem a razão do desânimo. Quão desagradável discutir política em um almoço de
fim de semana! Iniciei o pagamento do meu quinhão. Ninguém abraça uma causa
impunimente. Logo eu, sempre bem humorada e divertida, comecei a discutir com
muita frequência e alguma firmeza esse incômodo assunto de política.
Achei
que já estivesse suficientemente chateada quando na manhã seguinte me deparo
com uma postagem em rede social de mais um vídeo do nosso prezadíssimo deputado
declaradamente racista, homofóbico, machista e simpatizante das práticas de tortura. A postagem era de um amigo que
exaltava o fato desse congressista estar debochando da Comissão de Direitos
Humanos. Amigo antigo, colega de faculdade. Confesso que me doeu o rompimento.
Apesar
da contundência em expressar meu ponto de vista tenho muito respeito pelas
posições políticas diferentes. Entendo que todas as pessoas lutam por um país
melhor, e cada um luta de acordo com sua história, com suas afinidades, com
seus anseios. Porém, parafraseando um comentário
que vi pela rede, apoiar Bolsonaro não é uma posição política, é compactuar com
uma ideologia criminosa.
Eliminar essa gente dos
meus círculos pessoais de amizade é sem dúvida uma forma de proteger meus
filhos que são negros. Mas não se trata apenas disso. Se faz necessário combater
esse tipo de ideologia em prol do país, por nós mesmos. Todos nós fazemos parte
de alguma minoria. Instalar uma mentalidade facista no país não é bom para
ninguém! Se a mulher que apoia esse discurso sofre algum tipo de assédio, ou mesmo
de violência, com que força moral erguerá sua voz para defender sua própria
dignidade? Se um dos assíduos defensores desse tal parlamentar descobre
posteriormente que seu filho foi espancado, ou até assassinado por ser gay, entenderia
que a responsabilidade é de todos que disseminaram essa cultura de ódio, inclusive
dele próprio? E se esse mesmo homem, ainda que branco, heterossexual e rico
sofrer uma acidente ou for assolado por alguma doença e se tornar incapaz de
trabalhar, de sobreviver por si mesmo, ele acredita que uma sociedade regida
por princípios excludentes seria solidária, o acolheria?
Após passar o dia agastada
com tudo isso concluí que por mais alto que seja o preço e por mais que a luta às
vezes pareça vã eu não poderia fazer diferente. Darcy Ribeiro disse que fracassou
em tudo o que tentou na vida. Não é verdade. A semente ficou plantada e vai aos
poucos germinando. Que seja para seguir a luta de muitos sem concluí-la. Outros
chegarão para dar continuidade. Ainda que se perca amigos, ainda que os sorrisos
antes abertos se transformem em um riso
forçado no canto da boca, ainda que os
cumprimentos efusivos se tornem saudações polidamente frias. Ainda que por
vezes pareça o fardo pesado demais. Ainda mais pesado é viver em uma sociedade excludente.
Ainda que a luta às vezes pareça solitária, é preciso vislumbrar um horizonte
de melhores dias, que certamente chegarão.
“Fracassei
em tudo o que tentei na vida.
Tentei
alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei
salvar os índios, não consegui.
Tentei
fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei
fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas
os fracassos são minhas vitórias.
Eu
detestaria estar no lugar de quem venceu”
Darcy
Ribeiro