sábado, 23 de abril de 2016

O PREÇO DA IDEOLOGIA

O PREÇO DA IDEOLOGIA

Convidei uma amiga para sair. Inicialmente aceitou. Pensou melhor e recusou com delicadas desculpas. Se disse desanimada com as questões políticas do país. Entendi bem a razão do desânimo. Quão desagradável discutir política em um almoço de fim de semana! Iniciei o pagamento do meu quinhão. Ninguém abraça uma causa impunimente. Logo eu, sempre bem humorada e divertida, comecei a discutir com muita frequência e alguma firmeza esse incômodo assunto de política.

Achei que já estivesse suficientemente chateada quando na manhã seguinte me deparo com uma postagem em rede social de mais um vídeo do nosso prezadíssimo deputado declaradamente racista, homofóbico, machista e simpatizante das práticas de  tortura. A postagem era de um amigo que exaltava o fato desse congressista estar debochando da Comissão de Direitos Humanos. Amigo antigo, colega de faculdade. Confesso que me doeu o rompimento.

Apesar da contundência em expressar meu ponto de vista tenho muito respeito pelas posições políticas diferentes. Entendo que todas as pessoas lutam por um país melhor, e cada um luta de acordo com sua história, com suas afinidades, com seus anseios.  Porém, parafraseando um comentário que vi pela rede, apoiar Bolsonaro não é uma posição política, é compactuar com uma ideologia criminosa.

Eliminar essa gente dos meus círculos pessoais de amizade é sem dúvida uma forma de proteger meus filhos que são negros. Mas não se trata apenas disso. Se faz necessário combater esse tipo de ideologia em prol do país, por nós mesmos. Todos nós fazemos parte de alguma minoria. Instalar uma mentalidade facista no país não é bom para ninguém! Se a mulher que apoia esse discurso sofre algum tipo de assédio, ou mesmo de violência, com que força moral erguerá sua voz para defender sua própria dignidade? Se um dos assíduos defensores desse tal parlamentar descobre posteriormente que seu filho foi espancado, ou até assassinado por ser gay, entenderia que a responsabilidade é de todos que disseminaram essa cultura de ódio, inclusive dele próprio? E se esse mesmo homem, ainda que branco, heterossexual e rico sofrer uma acidente ou for assolado por alguma doença e se tornar incapaz de trabalhar, de sobreviver por si mesmo, ele acredita que uma sociedade regida por princípios excludentes seria solidária, o acolheria?

Após passar o dia agastada com tudo isso concluí que por mais alto que seja o preço e por mais que a luta às vezes pareça vã eu não poderia fazer diferente. Darcy Ribeiro disse que fracassou em tudo o que tentou na vida. Não é verdade. A semente ficou plantada e vai aos poucos germinando. Que seja para seguir a luta de muitos sem concluí-la. Outros chegarão para dar continuidade. Ainda que se perca amigos, ainda que os sorrisos antes abertos se transformem em um  riso forçado no canto da boca,  ainda que os cumprimentos efusivos se tornem saudações polidamente frias. Ainda que por vezes pareça o fardo pesado demais. Ainda mais pesado é viver em uma sociedade excludente. Ainda que a luta às vezes pareça solitária, é preciso vislumbrar um horizonte de melhores dias, que certamente chegarão.
                       

“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os  índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem venceu”

Darcy Ribeiro


quarta-feira, 20 de abril de 2016

O Caminho que Conduz à Democracia - ADENDO

ADENDO
Não me lembro bem o início da conversa. Retomo daqui:
- Mas isso era preciso, né? Tínhamos que acabar com essa ditadura do PT!
- Mas não era só esperar 2018 e tirar o PT nas urnas?
- Não adianta! Eles ganham de novo!
- Se eles ganham é porque o povo...
-(interrompendo minha fala) o povo não tem educação pra votar!
- Mas é exatamente isso que caracteriza uma ditadura! Um grupo julga que o povo não tem capacidade de eleger representantes e instala um governo que atenda aos interesses desse grupo!
- Não acredito! Você também com essa história de golpe?

Quem custou a acreditar na conversa fui eu! A pessoa afirma que o povo não tem capacidade intelectual para votar ao mesmo tempo que  demonstra uma total falta de noção acerca dos conceitos de Democracia e Ditadura! E nenhum respeito (ou desconhecimento) à memória nacional.

Peço então uma gentileza a quem possa interessar a leitura do texto abaixo: acrescente ao caminho principal, na minha opinião a honestidade, vias perpendiculares de suma importância, que consistem em conhecimento da história, respeito à memória nacional e consciência política.

O CAMINHO QUE CONDUZ À  DEMOCRACIA
Nossa jovem, incipiente e aparentemente frágil democracia.
O patente desrespeito pelo  voto da população e o espetáculo de horrores orquestrado por ladrões que foi a votação pelo impeachement demonstrou o quão frágil ela ainda é de fato. Estarrecidos, escutamos apologia à ditadura ser aplaudida. Presenciamos no último domingo  verdadeira eleição indireta, precedida de campanha eleitoral e toda sorte de articulações criminosas. Votada por parlamentares que teoricamente deveriam nos representar, já que foram eleitos por nós. Mas se recusaram a fazê-lo. Optaram por representar suas próprias famílias e propriedades. Em nome de Deus. “Deus, Família,  Propriedade”. Isso me soa incomodamente familiar.
Necessário se faz encontrar um caminho que nos reconduza à Democracia. Mais que isso, que nos reconduza a uma Democracia forte, inabalável! Mas um caminho menos tortuoso, um caminho que não seja salpicado pelo sangue e pelas lágrimas de muitos. Esse caminho existe. É transitável. Nos resta iniciar (ou seguir) na travessia.
 Mas qual a razão da dificuldade?
Seria o Brasil um país jovem demais e cujas dimensões continentais impossibilitariam uma sociedade justa? Necessário se faria apelar para o “estado mínimo” em prol da economia ainda que isso signifique dilatar ainda mais as diferenças sociais? Tomemos então a Austrália como exemplo. País grande e jovem, como o nosso. Na Austrália paga-se 45% de imposto de renda. O que em primeiro momento parece absurdo, na verdade possibilita um sistema viável e eficiente. Com uma gestão impecável e a arrecadação o governo garante assistência médica de qualidade, educação do ensino infantil ao superior,  transporte público, segurança e lazer. O cidadão australiano paga quase metade do seus rendimentos ao governo. Mas ao contrário de nós paga apenas uma vez. Não precisa pagar planos de saúde, não precisa pagar a educação dos filhos, não precisa fazer seguros de carro a preços estratosféricos devido ao alto risco de furto, não precisa comprar uma cota de clube, já que além de praias e parques  com infraestrutura de ponta contam com piscinas públicas. “Estado máximo” e quase nenhuma desigualdade social. Exemplo de sistema no qual a meritocracia pode ser considerada justa. Mas há um ponto essencial, imprescindível para o funcionamento do sistema. Há que se ter honestidade. Desvios de arrecadação impossibilitariam qualquer gestão de recursos, por mais inteligente que fosse. Concluímos então que na Austrália existem governantes honestos e que corrupção é provavelmente a exceção. Representantes honestos eleitos por pessoas honestas. Tenho por relatos de amigos que uma carteira foi esquecida em um banco de praia. Documentos, cartões e algum dinheiro. No dia seguinte, quando o dono da carteira se deu conta do esquecido, lá estava a carteira, com o dinheiro inclusive. No mesmo local onde fora esquecida. O produtor de abacaxis deixa seus abacaxis em um caminhão com uma cesta ao lado e uma placa  informando o preço.  Retorna ao fim do dia e recolhe os abacaxis restantes e a cesta com o pagamento pelos que foram levados.
O  fator que impossibilita que nossa democracia siga seu caminho é o mesmo que trava nosso crescimento. É o mesmo motivo pelo qual as políticas sociais não conseguem ser substituídas por medidas reais de igualdade, como melhorias na escola pública. É a desonestidade dos nossos representantes. Eleitos por cidadãos honestos. Cidadãos que não sonegam impostos, que não compram recibos, que não estacionam em vagas para deficientes, que respeitam o assento para idosos no transporte público, que não compram pirataria, que não batem o ponto  sem trabalhar,  que devolvem as carteiras perdidas, que pegariam o abacaxi e pagariam por ele ainda que não estivesse presente o dono da banca para cobrar. Esses somos nós, não somos? Não. Não somos. A desonestidade do nosso Congresso reflete  desonestidade da nossa sociedade.
Nesse momento a Democracia sangra. Necessárias intervenções urgentes. Necessário que ela seja resgatada, reanimada. Necessário se faz nesse momento lutar com todo afinco, com todas as forças. A força da palavra, a força da Constituição, a força da legitimidade do voto, a força da união, a força que a gente nem sabe que tem mas que a indignação ajuda a revelar. Importante não se conformar com esse patente golpe parlamentar e de forma organizada tentar revertê-lo.
Mas assim como uma criança que precisa ser alimentada, cuidada e amada diariamente,  a Democracia também depende de cuidados para que possa definitivamente vingar. Cuidar da Democracia é cuidar das nossas próprias atitudes. É contribuir efetivamente para a consolidação de uma sociedade  digna, livre de preconceitos, com pleno respeito pelo direito de todos. A solidificação da  Democracia depende da nossa mudança de postura mediante as pequenas coisas. Criar uma cultura de honestidade que ainda não aprendemos a valorizar. Esse é o caminho. Quando aprendermos a viver com dignidade plena, não mais votaremos em vão.  E não mais teremos que lamentar pelo nosso próprio país.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O CAMINHO QUE CONDUZ À DEMOCRACIA

O CAMINHO QUE CONDUZ À  DEMOCRACIA

Nossa jovem, incipiente e aparentemente frágil democracia.
O patente desrespeito pelo  voto da população e o espetáculo de horrores orquestrado por ladrões que foi a votação pelo impeachement demonstrou o quão frágil ela ainda é de fato. Estarrecidos, escutamos apologia à ditadura ser aplaudida. Presenciamos no último domingo  verdadeira eleição indireta, precedida de campanha eleitoral e toda sorte de articulações criminosas. Votada por parlamentares que teoricamente deveriam nos representar, já que foram eleitos por nós. Mas se recusaram a fazê-lo. Optaram por representar suas próprias famílias e propriedades. Em nome de Deus. “Deus, Família,  Propriedade”. Isso me soa incomodamente familiar.
Necessário se faz encontrar um caminho que nos reconduza à Democracia. Mais que isso, que nos reconduza a uma Democracia forte, inabalável! Mas um caminho menos tortuoso, um caminho que não seja salpicado pelo sangue e pelas lágrimas de muitos. Esse caminho existe. É transitável. Nos resta iniciar (ou seguir) na travessia.
 Mas qual a razão da dificuldade?
Seria o Brasil um país jovem demais e cujas dimensões continentais impossibilitariam uma sociedade justa? Necessário se faria apelar para o “estado mínimo” em prol da economia ainda que isso signifique dilatar ainda mais as diferenças sociais? Tomemos então a Austrália como exemplo. País grande e jovem, como o nosso. Na Austrália paga-se 45% de imposto de renda. O que em primeiro momento parece absurdo, na verdade possibilita um sistema viável e eficiente. Com uma gestão impecável e a arrecadação o governo garante assistência médica de qualidade, educação do ensino infantil ao superior,  transporte público, segurança e lazer. O cidadão australiano paga quase metade do seus rendimentos ao governo. Mas ao contrário de nós paga apenas uma vez. Não precisa pagar planos de saúde, não precisa pagar a educação dos filhos, não precisa fazer seguros de carro a preços estratosféricos devido ao alto risco de furto, não precisa comprar uma cota de clube, já que além de praias e parques  com infraestrutura de ponta contam com piscinas públicas. “Estado máximo” e quase nenhuma desigualdade social. Exemplo de sistema no qual a meritocracia pode ser considerada justa. Mas há um ponto essencial, imprescindível para o funcionamento do sistema. Há que se ter honestidade. Desvios de arrecadação impossibilitariam qualquer gestão de recursos, por mais inteligente que fosse. Concluímos então que na Austrália existem governantes honestos e que corrupção é provavelmente a exceção. Representantes honestos eleitos por pessoas honestas. Tenho por relatos de amigos que uma carteira foi esquecida em um banco de praia. Documentos, cartões e algum dinheiro. No dia seguinte, quando o dono da carteira se deu conta do esquecido, lá estava a carteira, com o dinheiro inclusive. No mesmo local onde fora esquecida. O produtor de abacaxis deixa seus abacaxis em um caminhão com uma cesta ao lado e uma placa  informando o preço.  Retorna ao fim do dia e recolhe os abacaxis restantes e a cesta com o pagamento pelos que foram levados.
O  fator que impossibilita que nossa democracia siga seu caminho é o mesmo que trava nosso crescimento. É o mesmo motivo pelo qual as políticas sociais não conseguem ser substituídas por medidas reais de igualdade, como melhorias na escola pública. É a desonestidade dos nossos representantes. Eleitos por cidadãos honestos. Cidadãos que não sonegam impostos, que não compram recibos, que não estacionam em vagas para deficientes, que respeitam o assento para idosos no transporte público, que não compram pirataria, que não batem o ponto  sem trabalhar,  que devolvem as carteiras perdidas, que pegariam o abacaxi e pagariam por ele ainda que não estivesse presente o dono da banca para cobrar. Esses somos nós, não somos? Não. Não somos. A desonestidade do nosso Congresso reflete  desonestidade da nossa sociedade.
Nesse momento a Democracia sangra. Necessárias intervenções urgentes. Necessário que ela seja resgatada, reanimada. Necessário se faz nesse momento lutar com todo afinco, com todas as forças. A força da palavra, a força da Constituição, a força da legitimidade do voto, a força da união, a força que a gente nem sabe que tem mas que a indignação ajuda a revelar. Importante não se conformar com esse patente golpe parlamentar e de forma organizada tentar revertê-lo.
Mas assim como uma criança que precisa ser alimentada, cuidada e amada diariamente,  a Democracia também depende de cuidados para que possa definitivamente vingar. Cuidar da Democracia é cuidar das nossas próprias atitudes. É contribuir efetivamente para a consolidação de uma sociedade  digna, livre de preconceitos, com pleno respeito pelo direito de todos. A solidificação da  Democracia depende da nossa mudança de postura mediante as pequenas coisas. Criar uma cultura de honestidade que ainda não aprendemos a valorizar. Esse é o caminho. Quando aprendermos a viver com dignidade plena, não mais votaremos em vão.  E não mais teremos que lamentar pelo nosso próprio país.