terça-feira, 30 de maio de 2017

O MAL SAIU DA SOMBRA. E ISSO É BOM

O MAL SAIU DA SOMBRA.
E ISSO É BOM!

Há quase vinte anos circulo pela área hospitalar aqui de Belo Horizonte. Seja de carro ou caminhando, percorrer esse pedacinho da cidade já faz parte do meu cotidiano. Porém, nos últimos tempos, um fato me tem chamado a atenção. Uma coisa diferente. Uma mudança! Ultimamente tenho reparado que os carros têm respeitado a faixa de pedestres. Respeitado de forma cidadã e paciente. Todos os transeuntes atravessam calmamente a faixa, sem se afobar em correrias, enquanto os motoristas aguardam pacientemente que isso ocorra, sem se arvorar acelerando ameaçadoramente. Observei isso em uma ocasião. Em outra. Hoje enquanto apreciava um café em uma mesinha na calçada entre um plantão e outro, no início da manhã quando todos precisam chegar, constatei que esse comportamento havia se tornado uma feliz realidade! Pelo menos nesse nicho. Meu coração se alegrou em constatar essa mudança. Pelo menos na região dos hospitais, onde as pessoas chegam para executar o trabalho de cuidar do outro, onde outros se encaminham para receber esses cuidados, a humanidade cidadã conseguiu finalmente se instalar. E instalou-se uma pulga pululante bem atrás das minhas orelhas. Em um momento no qual  tantas atrocidades se revelam, as pessoas estariam se tornando melhores? Sim. As pessoas estão se tornando melhores, e o mundo está a se melhorar. Exatamente por isso as atrocidades se revelam.

Na minha infância, eu escutava piadas de cunho racista e homofóbico, por parte mesmo dos meus familiares, como se isso fosse algo absolutamente natural. O racismo não existia. Todo mundo tinha um amigo negro muito querido, que era chamado de “Tição”, “Alemão” ou “Pelé”. “O Pelé é preto, mas é muito honesto!” Esse amigo até freqüentava a casa dos brancos. Entrava pelos fundos e comia na cozinha. Mas obviamente não tomava parte nos eventos sociais, onde invariavelmente, as piadinhas eram proferidas. O Brasil não era um país racista, mas os filhos dos Alemãos, Tiçãos e Pelés, não freqüentavam as mesmas escolas dos filhos do alcunhadores piadistas. O próprio Pelé, o original, aquele de Três Corações, perdeu a oportunidade de levantar a bandeira da igualdade, quando certa vez questionado sobre uma questão racial se esquivou com a seguinte resposta: “eu não tenho cor”. Quando um negro era visto dirigindo um carro de melhor envergadura, a sentença era certa:  “ou é motorista ou é jogador de futebol”. Dessa forma, o mal ficava lá, na sombra da subjugação. Mas quando os negros saem do local onde nunca deveriam ter permanecido tanto tempo, o mal sai da sombra. Inadimissível! Negros na faculdade? No aeroporto? Dirigindo um carro melhor que o meu? Que abuso! E o ódio começa a ser destilado. À luz do dia!

Assim como à luz do dia, executam-se homossexuais e transgêneros. Antigamente, isso não era absolutamente necessário. Estavam todos guardadinhos nos armários, amargando na solidão sua incongruência social. E o mal permanecia na sombra do preconceito. Mas a perdição chegou ao mundo e casais homoafetivos circulam alegremente de mãos dadas. Se casam! Adotam crianças! Transexuais conquistam o direito de serem tratados pelo nome social. Deixam de ser aberrações. Invadem o mundo conservador e sombrio. E o preconceito sai da sombra, mostra sua cara horrenda, coloca-a na mira para que balões coloridos, alçados ao céu durante um festejo de carnaval, possam atingi-la com o golpe do desprezo. Um balão para cada crime de homofobia registrado no Brasil no último ano. Trezentos balões sobem soberanos.  Milhares de vozes, que não mais serão caladas, cantam o brilho da liberdade.

E quando o ódio machista explode... quando um apresentador de TV recebe uma representação da Procuradoria Parlementar devido à apologia pública ao estrupro e misoginismo, e sua reação é rasgar o documento e esfregá-lo na sua genitália... é porque nada mais resta ao mal, senão sair da sombra e explodir em ódio. Porque já não pode mais subjugar, condenar ou humilhar.


Quando o mal é expulso do aconchego da hipocrisia e é obrigado a mostrar sua cara à luz do dia, é um bom sinal. Sinal de que o mundo melhora. O mal às claras é mais eficazmente combatido. Ele reluta, recalcitra, urra sua ira aos quatros ventos. Inutilmente. Não há mais lugar para ele no mundo. Permanecerá esperneando e fazendo alarde, até que, exaurido, tombará aniquilado.