CONFISSÕES
DE UMA FEIA
Há muito não escutava Chico
Buarque e bateu aquela nostalgia. Mas é impossível ouvir Chico sempre com os mesmos ouvidos.
E viajando na intrincada trama das letras, um verso tocou meu espírito de forma
inédita. Esse verso ficou martelando na minha mente. Nunca havia notado quão incrível
ele era. Falo da “moça feia” que “debruçou na janela, pensando que banda tocava
pra ela”. Tamanha a minha súbita identidade com essa imagem, não pude resistir
em postar em rede social a seguinte frase: “Eu sou a moça feia que debruçou na
janela pensando que banda tocava pra ela.” As reações foram as mais surpreendentes.
Amigos se apressando em me alertar que a feiura não seria um atributo a mim
pertencente. Minha mãe me exaltou como a mais bela entre as belas! Amigas
mandaram mensagem inbox perguntando se estava tudo bem! É claro que me alegrei
com essas reações, mas confesso que a feiura que há em mim me contenta mais.
Ser feia exige atitude. Ser
feia significa mandar às favas todas as convenções sociais relativas à forma e
padrões. Essa feia sou eu. Não faço botox nem preenchimentos. As rugas contam
minha história. Deixo os cabelos brancos esvoaçarem a vontade. Não vou aderir à
dieta low carb. Endorfina precisa de carbohidratos, e eu a quero circulando em
abundância.
Mais do que um lampejo da
beleza dos vinte anos, a vida me concedeu bens muitíssimo preciosos. A
liberdade de ser quem eu sou. A sabedoria de romper com convenções em nome da
minha felicidade. A coragem de não aderir a padrões pré-fabricados. Não vou
pedir licença para envelhecer. Vou ser a velhinha grisalha e gordinha que vai
rir alto chapada no buteco.
E vou me debruçar na janela tantas quantas forem as bandas que passarem. Elas tocam para mim. Me tocou sobretudo isso! A autoestima inabalável da moça feia. A banda toca sim, para ela. O mundo é dela. O mundo é das feias.