Esse mês foi meu aniversário
casamento. Em uma semana tão tumultuada de trabalho e obrigações diversas, nós
conseguimos apenas comer um japonês em casa mesmo, na companhia das crianças, frutos
deliciosos desses 14 anos de casados. Na sexta feira dessa mesma semana, com
tranqüilidade, programei um jantar mais elaborado, pensei na harmonização com o
vinho... e sem querer consegui o
presente de aniversário mais inusitado e sensacional de todos!
Mas para contar que presente foi
esse, vou precisar contar uma história. Uma história que se passou há 15 anos
atrás.
Eu estava no último ano da minha
residência médica, trabalhando mais que vivendo. Férias chegando, planejamos
mais uma das nossas viagens pouco convencionais. O plano dessa vez era uma
descida de carro pela Serra do Mar, iniciando em Paraty. Era uma viagem com
algumas particularidades. Férias muito esperadas e merecidas, nós dois muito
cansados, em fim de residência, dinheiro curto. Seria nossa última viagem antes
de nos casarmos. A programação era pegar
o carro e ir sem programação alguma, ficar em cada local o tempo que desse na
telha. Fomos. Com um Guia 4 Rodas na mão, a bordo de um Palio 1000 partimos para Paraty.
Baixa temporada, foi fácil conseguir um pouso digno a baixo custo. Curtimos uns
dias na cidade, mas o tempo foi fechando. Seguindo nosso plano de descer a
Serra, rumamos para Trindade. Uma pousadinha à beira mar. De onde não
conseguimos ver o mar. O tempo fechou com tanta fúria, que as chuvas
torrenciais nos impediam de permanecer na varanda a beira mar. Tivemos que
inventar o plano B. Não estava difícil. Não havia reservas em hotéis. Podíamos
alterar a rota sem nenhum trabalho ou prejuízo. O Guia 4 Rodas, alguma
criatividade e aquela animação insana dos jovens decidiram nosso novo destino.
Monte Verde. Sem GPS, com o mapa rodoviário aberto, lá fomos. A viagem de carro
até Monte Verde foi um dos pontos altos da viagem. Evitando a rodovia
principal, fomos pelo interior. As paisagens que se descortinavam atrás de cada
curva das estradinhas eram de tirar o fôlego. No início da noite chegamos em
Monte Verde por uma estrada local, de terra,
sem iluminação, embaixo de uma chuvinha fina e constante, guiados por
uma plaquinha pintada a mão com uma setinha indicando o rumo.
Nosso próximo passo em Monte
Verde foi achar pouso. O Guia 4 rodas, consultado para uma pousada com preço
pagável, foi nos guiando para longe demais. Após subir muito morro, à noite com
chuva, enxergamos uma pessoa descendo o morro. Era uma mulher. Paramos para
tentar alguma informação sobre a existência da pousada que procurávamos. A
moça, muito educada, informou que estávamos no caminho certo, mas precisaríamos
subir mais um pouco. Continuamos subindo e ela descendo. Mas o destino não
chegava nunca e decidimos descer novamente o morro e tentar um pouso mais
próximo da civilização. No meio da descida, a mesma moça nos faz um sinal.
Paramos. Perguntou se não tinha dado certo na pousada. Respondemos que iríamos
tentar algo mais perto. Nesse momento, o tempo até então fechado se abriu de
forma extraordinária. Essa pessoa, da qual até hoje eu consigo me lembrar da
silhueta e do tom de voz, era a gerente do melhor hotel da cidade, e nos
ofereceu pouso a um custo muito acessível, já que era baixa temporada e a
cidade, assim como o hotel estavam
vazios. Com essa bonança inesperada após a inesperada tempestade curtimos a
cidade como se não houvesse amanhã. Mas havia. Ia se aproximando o dia de
voltar para casa! Começamos então a ter idéias... voltar à Trindade?
Impossível. A chuva continuava firme lá. Então quem sabe um local agradável no
Sul de Minas mesmo, que de quebra a gente ainda quebrava a viagem de volta!
Partimos com muita alegria e
animação para São Lourenço. A cidade não é uma cidade muito bela do ponto vista
arquitetônico, principalmente quando a vista estava acostumada à Monte Verde.
Locais turísticos também não eram muitos nem muito atrativos. Mas quem tem um
Guia 4 Rodas novinho nunca está só. Descobrimos um hotel fazenda em Baependi,
daqueles no meio do nada. Iniciamos a subida de mais um morro, mas dessa vez em
um lindo dia de sol, e não desistimos. Dessa vez subimos até a chegada ao
esperado destino. Encontramos os portões fechados. Fizemos o óbvio. Tocamos o sino.
Abriram-se os portões do paraíso. Um hotel fazenda muito maravilhoso, que à
época ainda estava em processo de acabamento. Dessa forma, o preço nos favoreceu
mais uma vez.
No restaurante, rapidamente travamos conhecimento com o garçom, um rapazinho em treinamento, muito simpático, que nos apresentou ao Chef, que havia trabalhado na França e após se aposentar retornou à sua terra natal. A partir daí passamos a escolher o cardápio diariamente. O Chef nos perguntou se gostávamos de molho pesto. Nós não conhecíamos, nunca havíamos experimentado. Então o jantar se tornou promissor. A noite nos dirigimos muitíssimo
animados para o restaurante, nos sentindo celebridades hollywoodianas. O nosso amigo, o garçom veio nos servir o vinho. Na hora de abrir a rolha quebrou. Ele, meio sem saber o que fazer, nos pediu um momento e levou o vinho para dentro. Retornou rápido, com uma rolha intacta, nos serviu o vinho, que estava uma delícia. Mas reparando um pouco na garrafa, percebemos que a rolha estava lá dentro! Rimos muito da situação, degustamos com muita alegria o nosso macarrão ao molho pesto, agradecemos pelo jantar maravilhoso, e nunca esquecemos essa noite inusitada!
Bem, mas vamos ao presente de
aniversário de casamento! Então, estava eu finalizando o jantar e resolvi abrir
o vinho para deixar decantar. Não sei foi o abridor, ou minhas articulações de
manteiga, ou a rolha ressecada, mas a rolha quebrou. Tentei de toda forma tirar
a outra metade, mas ela acabou caindo dentro do vinho. Naquele momento entrei
no túnel do tempo, e relembrei essa viagem épica, uma das nossas melhores!
Na hora do jantar anunciei que
tinha um presente sensacional para ele. Segurando a garrafa de vinho relembrei
nossas aventuras ocorridas há 15 anos. Quando terminei, o mais velho se antecipou
(sim, as crianças sempre participam dos jantares românticos, e adoram!) – “A
rolha está aí dentro?” Mostrei a garrafa! “Sim, o presente é uma viagem no
tempo!”
Eu já falei que foi o presente
mais sensacional de todos? Porque foi!