quarta-feira, 28 de março de 2018

O PROFETA


O PROFETA

Trata-se de um filme francês lançado em 2010. Concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro e por isso ganhou alguma visibilidade à época. Uma das matérias pontuava que o grande objetivo do filme seria colocar em discussão os problemas do sistema carcerário na França. Assistindo ao filme recentemente, fiquei pensando quais problemas efetivamente seriam esses.

O jovem de 19 anos é preso. Condenado a uma pena de 6 anos por agredir policiais, o filme se inicia com sua entrada na prisão. Um oficial faz uma entrevista com o jovem presidiário. Apesar da rispidez com a qual as perguntas são elaboradas, podemos deduzir que se trata de um acolhimento. Acolhimento mesmo, similar ao acolhimento feito em uma instituição médica por exemplo. O oficial pergunta se ele tem alguma profissão. Diante da negativa, pergunta se ele gostaria de trabalhar durante sua estadia no cárcere. Pergunta se ele professa alguma religião, se ele tem alguma particularidade alimentar. Isso mesmo! O presídio francês quer saber se o condenado, ou melhor, o interno, tem restrições alimentares sejam por questões orgânicas ou religiosas. Questiona ainda se ele tem familiares que possam ampará-lo no decorrer do cumprimento da pena, se há alguém que possa enviar a ele algum dinheiro e suprimentos no caso de necessidade. O interno não sofre nenhuma humilhação por parte do oficial de polícia que o acolhe. Adentramos a prisão. Celas individuais. Refeições completas, incluindo iogurte e pães. Banhos quentes diários. O internos têm a tranquilidade de ter seus pertences pessoais, como TVs, aparelhos de som, DVDs,  cafeteiras, livros, dentro da sua cela individual sem que outros detentos ou policiais roubem ou estraguem. As visitas íntimas ocorrem dentro da própria cela. Há uma escola com biblioteca dentro do presídio. Se for interesse do detento ele pode não apenas se alfabetizar como seguir um currículo escolar com todas as matérias e professores especializados. Nosso (anti) herói ingressa na escola e trabalha na lavanderia. Bom, nesse momento, as comparações com Carandiru se tornam inevitáveis e nos perguntamos: que raios de problemas tão grandes são esses que há no sistema carcerário francês? A resposta é cruelmente, tristemente e friamente simples. Direitos Humanos  básicos não são problema no sistema carcerário francês, nem em nenhum outro país da Europa. Direitos Humanos, como o próprio nome diz, são direitos de todo ser humano, e países minimamente sérios têm por hábito não violar esses direitos.

No decorrer do filme deduzi que talvez o enorme problema fosse a violência gerada pelo sectarismo que ocorre devido à origem étnica dos detentos. No longa a rivalidade ocorre entre árabes e corsos. A violência em questão culmina com assassinato de um deles. Além disso um preso continuava a controlar seus negócios escusos de dentro da prisão. Tráfico de drogas? Não. Cassinos. Fazendo mais um adendo, a droga mais pesada citada no filme foi haxixe.

Busquei informações e pude entender melhor as questões abordadas no filme. A França é o país da Europa com maior população carcerária e é duramente criticada pela União Européia por decretar penas muito rigorosas e não trabalhar mais largamente com penas alternativas. Além disso, 70% da população carcerária na França é de muçulmanos. As taxas de suicídio também são as mais elevadas da Europa. Em relação aos suicídios, o filme insinua que muitos deles são na verdade execuções. Como as celas são individuais, não é difícil cometer um assassinato e forjar um suicídio, como ocorreu na trama.

A França possui problemas reais com o sistema carcerário. Problemas esses que sequer são debatidos no nosso país. Para um país chegar a esse nível de debate é necessário que antes os seres humanos que se encontram nos presídios sejam tratados como tal. Para que debates mais profundos sobre o nosso sistema penitenciário ocorra é necessário que os presídios no Brasil se tornem locais de detenção, se possível de reabilitação e deixem de ser um depósito de gente onde a lei do mais fortemente armado impera.

Logicamente que se tratando de Brasil o problema é multifatorial. A começar pela população carcerária que é a  quarta maior do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.  Na França temos 98 presos para cada 100 mil habitantes. No Brasil esse número é de 306 presos para cada 100 mil habitantes. O dobro da média mundial: 144 presos para cada 100 mil habitantes.  A enorme quantidade de presos no Brasil é um problema a parte. Além das profundas desigualdades sociais que levam ao aumento da criminalidade, entendo que a cadeia é um local que presta um importante serviço à segregação social. Um ótimo lugar para jogar pretos e pobres com a ajuda da nossa boa e velha justiça seletiva.

Pensando no ser humano de forma geral podemos até questionar  se um condenado por qualquer tipo de crime é passível de reabilitação. As taxas de reincidência criminal não são exatas em nenhum local do mundo. Na Europa gira em torno dos 25%, sendo que o país com maiores taxas de reincidência é a Itália. A explicação é que as instalações dos presídios italianos são muito antigas, o que dificultaria projetos de reabilitação adequados. A menor taxa de reincidência é da Noruega, onde os presídios se assemelham a hotéis. Mas seria a reabilitação algo tão impactante na reincidência criminal?  A taxa de reincidência no Brasil talvez responda a essa questão. Alarmantes 70%. Vergonhosos 70%. Definitivamente transformar os presídios em locais de humilhação e tortura, privando indivíduos dos direitos básicos a que todos os seres humanos devem ter acesso não é uma boa estratégia. Repensar  e modificar o nosso sistema penitenciário seria um passo importante para aumentar nossos ínfimos níveis de bem estar social.

Bandido bom existe. É o homem  reabilitado.