O
PROFETA
Trata-se de um filme
francês lançado em 2010. Concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro e por
isso ganhou alguma visibilidade à época. Uma das matérias pontuava que o grande
objetivo do filme seria colocar em discussão os problemas do sistema carcerário
na França. Assistindo ao filme recentemente, fiquei pensando quais problemas
efetivamente seriam esses.
O jovem de 19 anos é
preso. Condenado a uma pena de 6 anos por agredir policiais, o filme se inicia
com sua entrada na prisão. Um oficial faz uma entrevista com o jovem
presidiário. Apesar da rispidez com a qual as perguntas são elaboradas, podemos
deduzir que se trata de um acolhimento. Acolhimento mesmo, similar ao
acolhimento feito em uma instituição médica por exemplo. O oficial pergunta se
ele tem alguma profissão. Diante da negativa, pergunta se ele gostaria de
trabalhar durante sua estadia no cárcere. Pergunta se ele professa alguma
religião, se ele tem alguma particularidade alimentar. Isso mesmo! O presídio
francês quer saber se o condenado, ou melhor, o interno, tem restrições
alimentares sejam por questões orgânicas ou religiosas. Questiona ainda se ele
tem familiares que possam ampará-lo no decorrer do cumprimento da pena, se há
alguém que possa enviar a ele algum dinheiro e suprimentos no caso de
necessidade. O interno não sofre nenhuma humilhação por parte do oficial de
polícia que o acolhe. Adentramos a prisão. Celas individuais. Refeições
completas, incluindo iogurte e pães. Banhos quentes diários. O internos têm a
tranquilidade de ter seus pertences pessoais, como TVs, aparelhos de som,
DVDs, cafeteiras, livros, dentro da sua cela
individual sem que outros detentos ou policiais roubem ou estraguem. As visitas
íntimas ocorrem dentro da própria cela. Há uma escola com biblioteca dentro do
presídio. Se for interesse do detento ele pode não apenas se alfabetizar como
seguir um currículo escolar com todas as matérias e professores especializados.
Nosso (anti) herói ingressa na escola e trabalha na lavanderia. Bom, nesse
momento, as comparações com Carandiru se tornam inevitáveis e nos perguntamos:
que raios de problemas tão grandes são esses que há no sistema carcerário
francês? A resposta é cruelmente, tristemente e friamente simples. Direitos
Humanos básicos não são problema no
sistema carcerário francês, nem em nenhum outro país da Europa. Direitos
Humanos, como o próprio nome diz, são direitos de todo ser humano, e países
minimamente sérios têm por hábito não violar esses direitos.
No decorrer do filme
deduzi que talvez o enorme problema fosse a violência gerada pelo sectarismo que ocorre devido à origem étnica dos
detentos. No longa a rivalidade ocorre entre árabes e corsos. A violência em
questão culmina com assassinato de um deles. Além disso um preso continuava a
controlar seus negócios escusos de dentro da prisão. Tráfico de drogas? Não.
Cassinos. Fazendo mais um adendo, a droga mais pesada citada no filme foi
haxixe.
Busquei informações e
pude entender melhor as questões abordadas no filme. A França é o país da
Europa com maior população carcerária e é duramente criticada pela União Européia
por decretar penas muito rigorosas e não trabalhar mais largamente com penas
alternativas. Além disso, 70% da população carcerária na França é de
muçulmanos. As taxas de suicídio também são as mais elevadas da Europa. Em
relação aos suicídios, o filme insinua que muitos deles são na verdade
execuções. Como as celas são individuais, não é difícil cometer um assassinato
e forjar um suicídio, como ocorreu na trama.
A França possui problemas reais com o sistema carcerário. Problemas esses que sequer são
debatidos no nosso país. Para um país chegar a esse nível de debate é
necessário que antes os seres humanos que se encontram nos presídios sejam tratados
como tal. Para que debates mais profundos sobre o nosso sistema penitenciário
ocorra é necessário que os presídios no Brasil se tornem locais de detenção, se
possível de reabilitação e deixem de ser um depósito de gente onde a lei do
mais fortemente armado impera.
Logicamente que se
tratando de Brasil o problema é multifatorial. A começar pela população carcerária
que é a quarta maior do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. Na França temos
98 presos para cada 100 mil habitantes. No Brasil esse número é de 306 presos
para cada 100 mil habitantes. O dobro da média mundial: 144 presos para cada
100 mil habitantes. A enorme quantidade
de presos no Brasil é um problema a parte. Além das profundas desigualdades sociais
que levam ao aumento da criminalidade, entendo que a cadeia é um local que presta
um importante serviço à segregação social. Um ótimo lugar para jogar pretos e
pobres com a ajuda da nossa boa e velha justiça seletiva.
Pensando no ser humano
de forma geral podemos até questionar se um condenado por qualquer tipo de crime é
passível de reabilitação. As taxas de reincidência criminal não são exatas em
nenhum local do mundo. Na Europa gira em torno dos 25%, sendo que o país com
maiores taxas de reincidência é a Itália. A explicação é que as instalações dos
presídios italianos são muito antigas, o que dificultaria projetos de
reabilitação adequados. A menor taxa de reincidência é da Noruega, onde os
presídios se assemelham a hotéis. Mas seria a reabilitação algo tão impactante
na reincidência criminal? A taxa de reincidência
no Brasil talvez responda a essa questão. Alarmantes 70%. Vergonhosos 70%. Definitivamente transformar os presídios em
locais de humilhação e tortura, privando indivíduos dos direitos básicos a que todos os seres
humanos devem ter acesso não é uma boa estratégia. Repensar e modificar o nosso sistema penitenciário seria
um passo importante para aumentar nossos ínfimos níveis de bem estar social.
Bandido bom existe. É o homem reabilitado.