quarta-feira, 20 de abril de 2016

O Caminho que Conduz à Democracia - ADENDO

ADENDO
Não me lembro bem o início da conversa. Retomo daqui:
- Mas isso era preciso, né? Tínhamos que acabar com essa ditadura do PT!
- Mas não era só esperar 2018 e tirar o PT nas urnas?
- Não adianta! Eles ganham de novo!
- Se eles ganham é porque o povo...
-(interrompendo minha fala) o povo não tem educação pra votar!
- Mas é exatamente isso que caracteriza uma ditadura! Um grupo julga que o povo não tem capacidade de eleger representantes e instala um governo que atenda aos interesses desse grupo!
- Não acredito! Você também com essa história de golpe?

Quem custou a acreditar na conversa fui eu! A pessoa afirma que o povo não tem capacidade intelectual para votar ao mesmo tempo que  demonstra uma total falta de noção acerca dos conceitos de Democracia e Ditadura! E nenhum respeito (ou desconhecimento) à memória nacional.

Peço então uma gentileza a quem possa interessar a leitura do texto abaixo: acrescente ao caminho principal, na minha opinião a honestidade, vias perpendiculares de suma importância, que consistem em conhecimento da história, respeito à memória nacional e consciência política.

O CAMINHO QUE CONDUZ À  DEMOCRACIA
Nossa jovem, incipiente e aparentemente frágil democracia.
O patente desrespeito pelo  voto da população e o espetáculo de horrores orquestrado por ladrões que foi a votação pelo impeachement demonstrou o quão frágil ela ainda é de fato. Estarrecidos, escutamos apologia à ditadura ser aplaudida. Presenciamos no último domingo  verdadeira eleição indireta, precedida de campanha eleitoral e toda sorte de articulações criminosas. Votada por parlamentares que teoricamente deveriam nos representar, já que foram eleitos por nós. Mas se recusaram a fazê-lo. Optaram por representar suas próprias famílias e propriedades. Em nome de Deus. “Deus, Família,  Propriedade”. Isso me soa incomodamente familiar.
Necessário se faz encontrar um caminho que nos reconduza à Democracia. Mais que isso, que nos reconduza a uma Democracia forte, inabalável! Mas um caminho menos tortuoso, um caminho que não seja salpicado pelo sangue e pelas lágrimas de muitos. Esse caminho existe. É transitável. Nos resta iniciar (ou seguir) na travessia.
 Mas qual a razão da dificuldade?
Seria o Brasil um país jovem demais e cujas dimensões continentais impossibilitariam uma sociedade justa? Necessário se faria apelar para o “estado mínimo” em prol da economia ainda que isso signifique dilatar ainda mais as diferenças sociais? Tomemos então a Austrália como exemplo. País grande e jovem, como o nosso. Na Austrália paga-se 45% de imposto de renda. O que em primeiro momento parece absurdo, na verdade possibilita um sistema viável e eficiente. Com uma gestão impecável e a arrecadação o governo garante assistência médica de qualidade, educação do ensino infantil ao superior,  transporte público, segurança e lazer. O cidadão australiano paga quase metade do seus rendimentos ao governo. Mas ao contrário de nós paga apenas uma vez. Não precisa pagar planos de saúde, não precisa pagar a educação dos filhos, não precisa fazer seguros de carro a preços estratosféricos devido ao alto risco de furto, não precisa comprar uma cota de clube, já que além de praias e parques  com infraestrutura de ponta contam com piscinas públicas. “Estado máximo” e quase nenhuma desigualdade social. Exemplo de sistema no qual a meritocracia pode ser considerada justa. Mas há um ponto essencial, imprescindível para o funcionamento do sistema. Há que se ter honestidade. Desvios de arrecadação impossibilitariam qualquer gestão de recursos, por mais inteligente que fosse. Concluímos então que na Austrália existem governantes honestos e que corrupção é provavelmente a exceção. Representantes honestos eleitos por pessoas honestas. Tenho por relatos de amigos que uma carteira foi esquecida em um banco de praia. Documentos, cartões e algum dinheiro. No dia seguinte, quando o dono da carteira se deu conta do esquecido, lá estava a carteira, com o dinheiro inclusive. No mesmo local onde fora esquecida. O produtor de abacaxis deixa seus abacaxis em um caminhão com uma cesta ao lado e uma placa  informando o preço.  Retorna ao fim do dia e recolhe os abacaxis restantes e a cesta com o pagamento pelos que foram levados.
O  fator que impossibilita que nossa democracia siga seu caminho é o mesmo que trava nosso crescimento. É o mesmo motivo pelo qual as políticas sociais não conseguem ser substituídas por medidas reais de igualdade, como melhorias na escola pública. É a desonestidade dos nossos representantes. Eleitos por cidadãos honestos. Cidadãos que não sonegam impostos, que não compram recibos, que não estacionam em vagas para deficientes, que respeitam o assento para idosos no transporte público, que não compram pirataria, que não batem o ponto  sem trabalhar,  que devolvem as carteiras perdidas, que pegariam o abacaxi e pagariam por ele ainda que não estivesse presente o dono da banca para cobrar. Esses somos nós, não somos? Não. Não somos. A desonestidade do nosso Congresso reflete  desonestidade da nossa sociedade.
Nesse momento a Democracia sangra. Necessárias intervenções urgentes. Necessário que ela seja resgatada, reanimada. Necessário se faz nesse momento lutar com todo afinco, com todas as forças. A força da palavra, a força da Constituição, a força da legitimidade do voto, a força da união, a força que a gente nem sabe que tem mas que a indignação ajuda a revelar. Importante não se conformar com esse patente golpe parlamentar e de forma organizada tentar revertê-lo.
Mas assim como uma criança que precisa ser alimentada, cuidada e amada diariamente,  a Democracia também depende de cuidados para que possa definitivamente vingar. Cuidar da Democracia é cuidar das nossas próprias atitudes. É contribuir efetivamente para a consolidação de uma sociedade  digna, livre de preconceitos, com pleno respeito pelo direito de todos. A solidificação da  Democracia depende da nossa mudança de postura mediante as pequenas coisas. Criar uma cultura de honestidade que ainda não aprendemos a valorizar. Esse é o caminho. Quando aprendermos a viver com dignidade plena, não mais votaremos em vão.  E não mais teremos que lamentar pelo nosso próprio país.

Um comentário:

  1. Belíssima reflexão. Muito pertinente. Contemporânea a 2016 e infelizmente a 1964. A questão é: o que nos separa desses dois momentos? Apenas o tempo?

    Tomara que a verdade sobre a cruel desigualdade pese mais. Que as pessoas parem com esses ódios e farsas. E que tornemos nossa realidade promissora aos filhos da nação que por ora são apenas projetos de filhos por nascer ou crianças que estão aí tentando ensinar sua doçura aos corações empedrados de tantos brasileiros sedentos por sangue dos outros - os diferentes dele.

    Que Deus nos ajude. Nessa sociedade nossa onde cruzar ou não com alguém na rua que nos dê um bom dia (ou que esteja rastejando atrás de um pedaço de pão e de direitos básicos na vida) é algo indiferente, somos apenas bonecos animados de um brinquedo mecânico que não tem dono aparentemente, nem rumo, nem razão de existir.

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