Davi
Quando o conheci era um fiapo de gente.
Nascido prematuramente, Davi devia pesar pouco mais que um quilo. Era
preciso firmar a vista dentro da incubadora para conseguir distinguir o
que era Davi e o que eram fios e aparelhos. Além da prematuridade havia nascido
com uma doença no coração. Seu irmão gêmeo não apresentava outros problemas e
apesar da prematuridade estava bem.
Davi não ia tão bem! Era necessário que se
operasse o coração mas a fragilidade do seu corpinho dificultava essa tomada de
decisão. Os dias foram passando e a questão cardíaca começava a prejudicar os
rins. A pele daquele bebê negro tomava uma coloração amarelo-acinzentada,
indicando a gravidade do seu estado!
Após exaustivas discussões com os
especialistas envolvidos decidimos:
-Vamos fazer a cirurgia cardíaca! Esse
corpinho não será capaz de se manter por muito mais tempo dessa forma! Corramos
o risco!
A chefia não concordou:
-Davi vai morrer no bloco.
- Mas chefe, se ele não operar vai morrer
aqui!
-Eu contraindico a cirurgia! A responsabilidade
é sua.
Vesti toda minha coragem e tomei a decisão com a
convicção que vibrava na alma. Mandei Davi ao bloco. Davi retorna da
cirurgia mais morto do que vivo! Mas pulsava debilmente um fio de vida. E aquele
fio de vida foi sendo cuidado. Cada passo do tratamento era
meticulosamente estudado, discutido, pensado, revisto. E a vida ia aos
poucos se reestabelecendo, dando a cada dia sinais mais robustos da
sua presença. Davi melhorava, mas não respirava! Não sem a ajuda dos
aparelhos. Fizemos a traqueostomia, mas Davi nada de resolver respirar
por si mesmo! E foi ficando no respirador. E foi crescendo no CTI!
Crescendo, sorrindo, nos cativando dia após dia com aquela carinha de quem
estava muito bem obrigado! A verdadeira cor da sua pele se fazia mostrar, com
toda a intensidade da sua beleza. Davi engordava, batia palmas, gargalhava,
nos deixava cada dia mais encantados.
Com seu progressivo fortalecimento Davi foi aos
poucos, bem lentamente, respirando. Eu sussurrava quando ele me fixava o olhar
amistoso: "-Respira, Davi! Seu irmão está lá na sua casa brincando! Vai lá
brincar com ele! Respira!" E ele foi ficando cada dia menos
dependente dos aparelhos e mais presente nos nossos corações. A essa altura já
fazia parte do nosso dia-a-dia. Já se fazia amar por todos.
Passado pouco mais de um ano
entregamos Davi para sua mãe. Lindo, crescido, sorridente! Olhando para aquela
criança tão forte e viçosa era difícil
acreditar tratar-se daquele mesmo bebê que havia chegado escondidinho na
incubadora! Davi era a vitória do amor, do cuidado que flui de dentro. Abraçamos,
beijamos, choramos! Desejamos que o Davi vivesse uma vida plena e feliz junto
com sua família! E viveu! Durante um ano.
Nessa semana chega a notícia de que Davi havia
morrido de pneumonia! Os colegas do hospital que o assistiram na última
internação contaram que as questões sociais foram complicadas, talvez
determinantes. Várias vezes internara desnutrido e sujinho! Sua família
fazia o que podia dentro das suas condições muito distantes das ideais!
Com o coração muito entristecido desejei que o
Davi tivesse vivido plenamente esse ano que passou fora do hospital. Desejei
que tivesse disputado coisas com o seu irmão, que tivessem trocado uns sopapos,
muitas gargalhadas e afagos. Desejei que Davi tivesse tornado sua mãe uma
pessoa melhor, mais forte e mais humana. Que ele tenha mudado os rumos da sua
família, ensinando como é possível superar dificuldades com perseverança e alegria. Assim como nos
ensinou!
Fiquei pensando na intrincada e frágil trama da
vida, tecida por mãos astrais com possibilidades e determinações que nos fogem
ainda ao entendimento. Não somos senhores da vida e da morte, não podemos reter
em nossas mãos o tênue fio quando a trama já se iniciou a desfiar. Mas somos
agentes importantes do destino. Se Davi permaneceria nesse mundo por pouco tempo,
ajudamos a fazer desse tempo um valioso instrumento. Possibilitamos a ele sair
da incubadora, se relacionar, ver o mundo lá fora, e quem sabe mudar o rumo de
algumas vidas. A história do Davi nos motiva a seguir com amor e alegria a
despeito das dificuldades, porque acreditamos que nenhuma luta pela vida é vã.
De cada luta saímos melhores, exultantes pelos acertos, engrandecidos pelos
equívocos, fortalecidos pelas lágrimas que de forma ou de outra insistem em nos
molhar as faces e nos lembrar o quão humanos somos.
Davi, meu anjinho desconhecido!
ResponderExcluirConhecer parte de sua História nos comove e motiva.
Um nome tão forte!
Uma criaturinha mais forte ainda!
Fico a pensar na construção do enigma da vida...
Seremos parte que destrói?
Ou seremos parte que vitaliza?
Não tenho dúvida, meu anjinho!
Você fez parte da melhor
Daquela que conduz e ensina!
Obrigado pela sua História
Que na linha do Tempo não termina
Sopra constantemente em cada pequenino
esforço que tivermos para valorizarmos
vidas curtas e grandes como a sua
vidas longas e pequenas, talvez, com a minha...
Que lindo!
ExcluirQue lindo!
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